quarta-feira, outubro 15

De Santiago a Sagres


Como um país que vai acabar
adormece sobre as páginas de um livro,
de costas para o mar.

Na boca de uma montanha
despontam os primeiros dentes de sal
a marcha-atrás de uma baleia
levanta muito vento na areia

os dias mergulham virados para o fim

Como um país que começa de novo
renovado na língua do oceano
as estradas são de terra batida
precipício iluminado por um passeio de bois

Três árvores a motor
desafiam as raízes
em demoradas vénias ao mar

Como um país que morre e renasce no mesmo sítio
no mesmo segundo
segue as pegadas de gaivota
numa bebedeira de amor

e acorda para o tempo numa toalha de pedra
apontada para o sol
engenharia de cegos
vertigem cabal.

quinta-feira, maio 29

As casas das plantas

«As casas das plantas geralmente estão nos campos baldios de erva
atravessados por linhas de comboio
é de dentro desses comboios que podemos observar essas casas.
Geralmente não têm portas nem janelas
e alguns ramos das plantas e das árvores põe-se à janela a ver passar os comboios.
Há algumas casas das plantas onde elas moram do lado de fora, encostadas às paredes e pintadas de verde».

domingo, dezembro 9


"Eu está apaixonada pelo teu eu. Então nós é."



Clarice Lispector in Uma Aprendizagem ou O livro dos Prazeres

terça-feira, novembro 6

Xadrez





É branca a gata gatinha,
é branca como farinha.

É preto o gato gatão,
é preto como o carvão.

E os filhos gatos gatinhos
são todos aos quadradinhos!

Sidónio Muralha


* O jogo de xadrez, Vieira da Silva

terça-feira, outubro 9

Santos

Abraçados pelo cristo-rei
brindamos com uma pizza gigante e
barata, quatro patas para o ar, antenas
sintonizadas no cristo
rei da ponte que ilumina e do
saxofone que o embala à
noite, noite em que 90% dos carros
que passavam na ponte ouviam o relato
da bola (o Benfica está a
perder líquido com cada barco
que passa. Hoje é noite de
triângulos circulares circundam a
esplanada que não fica bem com o
funk, bebi um
café com cão negro que dorme
e canta o sono.

*Catarina Mendes, Emília Rebelo, Sílvio Santos

terça-feira, setembro 11

Camaradáver esquisito

É outra vez domingo, apesar do esforço do lago e dos
braços de plantas e de cravos, não os que secaram mas os que agora
nascem
outra vez, como o domingo em que pela primeira vez te senti os
braços de ternura de desiquilibrada ternura, aos

pulos.
Por trás de cada dia está o maior sonho do mundo
da criança mais pura e quatro estradas sem
fim, mas sem m, assim como ti, uma nota

inventada
por três anões sem medo - fábula dos dias
de janela aberta e dos calendários de amor,
inteiros de vidros que não podemos pisar senão faz

dói-dói
- os sonhadores também sangram - mas este dia
é demasiado azul, sem espaço para rotativas
ambulâncias a fazer ti-nó-ni. Levam as pessoas que,
em vez de cheirar, beberam

cravos,
como a fantasia se cura com as sementes de flor,
como os astros despistados e a ternura do teu traço.
Escreves flores no meu
desejo água. água para saltar. Salta camarada

Allé Allé
, se me foges todos os dias, um domingo
para quê? para quem? Se vai longe a luz blá blá

blá.
Mas para dias asssim há sempre um fim. Escolhe-
te acostas, te desmotivas. Só tento o riso, o teu, mas
sou um tanto ao quanto desajeitada.
Meu ajeito

segunda-feira, agosto 20

O rei Hula Hula esqueceu as matracas no comboio
mas caminhou até ao limite.
Uma linha de areia separa-o do mar. Canta.
E o mar dança para sua majestade.

Sentir-te a respiração no peito
a subir e descer
como uma estrela na noite
expiras a manhã de todos com milímetros de ar,
a manhã das crianças que não têm escola
e dos que acordam com uma flor no nariz.
Cheiras bem.

O rei uiva baixinho.
Observo-te a tocar a espuma,
o vento traz a melodia da tua mão.
É verão. Cheiro o amar-te.