sexta-feira, dezembro 10

Daniel da Minha Terra

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

Daniel Faria (1971-1999)

segunda-feira, novembro 29

Ítaca

Quando partires de regresso a Ítaca
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseídon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.

Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

Constantino Cavafy, 90 e Mais Quatro Poemas
(versão de Jorge de Sena)

terça-feira, novembro 9

Escreveram-nos uma carta.

É importante lê-la.
A inoportuna sempre tão oportuna...

quinta-feira, outubro 28

Poeta

- Vai!
corre o mundo
encostado
a um bordão de esperanças!

Hão-de ferir-te os pés
as pedras dos caminhos.
mas entenderás a conversa dos ninhos
e o riso das crianças.

Saúl Dias

domingo, outubro 24

Chove.

Vou pintar as paredes da minha casa de outra cor. Vou. Vou. Vôo.
Dar uma primeira-de-mão de conto, por cima da poesia.

sábado, outubro 9

Se o Verão se vai embora dos teus olhos, não estou preparada para o Inverno.
O teu olhar sorri quando a minha pupila cresce ou quando fica pequenina?

segunda-feira, setembro 27

então era isso




Ela pensava que sabia. Pensava que pensava em coisas boas e que assim podia. Pensava que nem sequer era preciso pensar nem saber porque o instinto de ser livre era mais forte, dotado de tanta força que nem os furacões se atreviam a desafiá-lo. Ela pensava e sonhava isto tudo. Sabia pensar e pensava que sonhava e sabia, sabia mesmo. Sabia tanto-com-tanta-força-que-nem-os-furacões que nunca mais foi vista noutra forma que não a de estrela-polar (às vezes com outras sem hífen, ou cauda brilhante e cadente, como o autor-criança lhe prefere chamar). Ela sonhava, pensava, sabia e voava. Mesmo.

sexta-feira, setembro 17

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

Cecília Meireles

sábado, julho 17

" Are you happy, happy, happy
Are you happy with your plastic smile?"

segunda-feira, junho 7




Chama-se espiral de sensibilidade. afunilado, perene e sem outro qualquer adjectivo.
o sal da vida é o sal da vida. Para mim. Enquanto percorro tanto em tão pouco, as luzes decidem-se
pelo opaco. Correm estores e crianças para dentro de casa. Os carros alinham-se numa conspiração silenciosa, em Marcha sobre Marcha. Desligam-se os motores e ficamos sós. Ninguém. Não há quem se atreva a. Ninguém.
Enquanto sentam, enquanto levantam, enquanto sim, enquanto não: quatro-de-uma-matilha-de-sensibilidade ensinam o oxigénio a respirar. Com amor. E uma gargalhada. E não há morte possível para esses eles-nós.

domingo, abril 18

Tertúliando a liberdade

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
(...)

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
(...)

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

Cantico Negro, José Régio


segunda-feira, março 22

Se fosse uma palavra, não gostava de ser amor, nem liberdade, nem tempo ou borboleta.
Se fosse uma palavra gostava de ser um sim.
Daqueles ditos com um sorriso crescente, de amor, preparando-se para a liberdade.
Daqueles soltos, desafiantes do tempo. Como as borboletas.

sexta-feira, março 12

Codificado

E as histórias que não sei contar? Seriam tantas se as encontrasse em mim. fazia um filme. usava uma caixa de sapatos para guardar charutos. e adoecia de cancro, como o meu pai.
venceu a doença.

o filme continua a preto e branco:



continua.
até que me encontre sem sono nem criatividade nos bolsos.
lá fora chove. vou na mesma.

domingo, março 7

Semente de ti

Os seus olhos pararam nos meus, suspensos na paredede da sala.
Com olho em estrela embalou:
- Ainda me lembro deste olhar de quem quer descobrir o mundo.
Hoje também.
O olhar continua atento. A descobrir-te.
Como o resto do mundo que fazes parar á tua volta, a sentir as ondas de encanto que multiplicas dentro de cada.
Não és fada. És a própria varinha de condão, Mar.
(Devolvo-te as palavras que, adivinho, me dirias):
- E, ás vezes, as pessoas grandes não entendem as varinhas de condão.

terça-feira, março 2

Amanheci

é bom ser de manhã. ser, enquanto a brisa gelada permanece os últimos segundos antes de descolar para um qualquer anoitecer. é bom Ser de manhã. Ser a própria manhã talvez não compense, ela que o diga. Ela que sempre existiu em si. Como eu não. Vou repetir: é bom. ter fome e sono desta "estranha forma de acordar que é estar pronto pra dormir". Amanheci e antes disso já a manhã existia. despertadores-dois às 7h15m. Acordei, mas antes disso a manhã já existia. é bom ser de manhã.

quinta-feira, fevereiro 12

Tom Jobim disse:

"A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar"


O vento é livre e subtil.
E voa...
E é apaixonado pela manhã.
Quero ser vento. Tão.

sábado, janeiro 31

segunda-feira, janeiro 19

Rápido e descoordenado

deve ser tão bom poder-se sorrir por estar a escrever. Gerlamente quando escrevo, apenas escrevo. Sem sorrir. É um alívio mas não de felicidade. Geralmente só uma língua de fora e papéis em branco a abarrotarem ideias por escrever´. É quando escrevo melhor.
e é tão certo ter que carregar o fardo da incomunicabilidade na minha escrita.
"Só o silêncio pode demonstrar a cumplicidade...";
"donos dos nossos silêncios e prisioneiros das nossas palavras...";
e as tardes acabam por findar todas assim, na mesma nostalgia do incomunicável.
não comunico, escrevo.
porque as minhas palavras não devem nem podem ser interpretadas.
e devem habitar a aldeia Inofensividade como se ela (e a palavra) existisse(m).

mais descoordenado do que rápido, afinal.



não abras.

terça-feira, janeiro 13

Portofólio

Abrigada por um escudo que percebo mais além da sua existência posso escrever, sim.
Sorrio.
Na oportunidade de poder viver os dias com pessoas tão espelho de verdade e bem viver.
"desfolhando a sorte que a vida lhes deu"
O preto e branco nas fotos de quem me traz o mundo numa natural sensibilidade.
Só o silêncio pôde demostrar a cumplicidade de entender o que ela capta com a objectiva.
Diz-me. Serei bailarina a preto e branco?

segunda-feira, janeiro 12

Escudo de verttigem


para que te sintas protegida enquanto não amanhece,
para que escrevas.